sábado, 27 de novembro de 2010

A GUERRA

A guerra começou no final de janeiro. Amanheço pro céu branco de São Paulo, querelante é o som da rua. Na TV o telejornal ameaça que a umidade vai chegar a 12%, meus lábios vão quase a rachar, minha boca esteve seca a noite inteira e levantar cedo pra tomar banho nesse frio é um ato só realizável se regado a uma encadeada seqüência de palavrões. E estaria tudo muito simples se aí se resumisse a rusga.

Clichê paulistano (que maldade, um clichê desses eu também queria!)
Paulistanos sempre dizem amar a cidade, mas fora a cidade, eles devem se odiar. Há de haver um motivo plausível para o plantel de tantas caras amarradas, para a rasa cordialidade com que se atropelam nas calçadas e que se expressam uns aos outros, para a naturalidade do não-olhar ao próximo ou para os headfones no metrô, quase tão comuns quanto as orelhas, fechando a equação do "não me interrompa". Mas é uma generalização e, como toda generalização, não é justa. Isso inclui o que se segue.


Nosso confesso desamor se fez expresso e tão primordial quanto minha presença aqui. Gostei dos cinemas, dos cafés, da generosa quantidade de alfarrábios e cursos que nunca chegariam a Maceió. Mas detestei me habituar a ficar no vácuo após dar bom dia, ao baixo esforço social dos nativos com desconhecidos, a ver pessoas sozinhas mudarem o lado da rua se vêem um estranho no lado oposto. Realmente, eles devem ter que tomar muito cuidado com eles mesmos. Uma colega que já mora aqui há bem mais tempo me comentou, entre risos, que o paulistano costuma ser educado em duas ocasiões: quando quer lhe vender alguma coisa ou quando quer lhe pedir alguma coisa.
"- Foi a impressão que tive assim que cheguei aqui".
"- Então depois mudou?"
"- Não, me acostumei."


De início achei que fosse rejeição ao sotaque ou mesmo um justificado medo de assalto, até perceber que aqui coisas assim vão no automático, paulistanos com paulistanos, cariocas, coreanos, libaneses, chineses... e todos uns contra os outros. Eu não saberia viver em um lugar onde, por "n" motivos, uma pessoa se condiciona a esperar pelo pior vindo de seu semelhante. Por razões inversas, felizmente é possível identificar quando aqui se está lidando com mineiros ou nordestinos, que cá estão em quantidade. Uns ficam, outros voltam, mas nesta leva minha vez ainda não chegou.





Foto: Lucia Sekijima (fragmento), sobre obra da gaúcha Regina Silveira, atualmente exposta na fachada do MASP. E abaixo, inevitavelmente, Tom Zé, na primeira faixa de seu primeiro álbum, com a mais intestina das descrições de São Paulo.





São São Paulo (1968)

5 comentários:

  1. Sobre o clima: o texto foi escrito em setembro - mais frio. Desisti, engavetei e depois resolvi postar. De lá pra cá a temperatura mudou, o resto permanece.

    ResponderExcluir
  2. Que clima, Tadeu... Fúnebre, seco, descrente. A exceção, e o tom de consolo, ao final do texto, sobre nordestinos e mineiros em SP, acho que foi um pouco generoso com os mineiros... rsrs

    ResponderExcluir
  3. As 'Enfibraturas do Ipiranga' do desvairado M. Andrade diriam: "Os alicerces não devem cair mais! Nada de subidas ou de verticais! Amamos as chatezas horizontais! Abatemos perobas de ramos desiguais! Odiamos as matinadas arlequinais!
    ............................................
    Para que cravos? Para que cruzes?
    Universalizai-vos no senso comum! Senti sentimentos de vossos pais e avós! Para as almas sempre torresmos cerebrais! Só admiramos os célebres e os recomendamos também!(...)
    [Em: Paulicéia desvairada]

    ResponderExcluir
  4. Mineiros tb num prestam muito não sô....bem alguns prestam....na verdade bem poucos prestam. Ainda bem q conheço aguns poucos. Ow raça ruim dos infernos!!!!!

    Queila.

    ResponderExcluir
  5. Corrigindo: "alguns"....tá vendo, fui elogiar e comi um l....raça ruim dos infernos[2].


    Queila.

    ResponderExcluir